30 de dez. de 2009

Para onde vão nossas crianças?

Final de ano, todos os trabalhos podem esperar.
Todo mundo festejando.
E então eu ( que não curto muito essas festividades) me deparo com o texto da , e te pergunto: Isso tudo vale à pena?

EDITANDO

O Blog da Renata foi deletado. O que li por aí foi o seguinte:
Há uns anos ela postava em um blog sobre a doença de um filho quando descobriu que estava grávida do segundo. Esse blog era muito lido. Recentemente, começou a escrever que o segundo filho também apresentava problemas de saúde.
Parece que alguém soltou que ela começou a relatar os problemas do segundo filho para "fazer sucesso" novamente. Aí ela se cansou e excluiu o blog.

Como há desocupados no mundo!

26 de dez. de 2009

Um texto meu

Anabella escreve
Anabella escrevia cartas. Todo dia se sentava após o almoço e redigia suas estórias para enviá-las aos amigos. Gostava de ser minuciosa para que o destinatário conhecesse todos os detalhes.
Anabella não dormia direito. Ficava pensando no que havia faltado incluir ou imaginava se havia sido suficientemente clara em sua narrativa. Algumas cartas eram para conhecidos próximos, pessoas que gostariam de saber o que estava acontecendo em sua vida. Mas geralmente dedicava mais tempo se comunicando com amigos distantes que não via há muito tempo.
Um trecho de suas cartas dizia o seguinte:

...Desejo-lhe muitas felicidades e que o amor possa bater a sua porta assim como aconteceu comigo. Estamos planejando um bebê. Estamos reformando o quartinho dos fundos para que o Marcos passe o escritório para lá e possamos usar o outro quarto para o bebê. Conto mais detalhes em outra carta. Estamos de saída...
Abraços
Anabella
Em outra, relatou o seguinte:
...Ontem fez uma tarde muito bonita. Aproveitamos o feriado para passear. Estivemos no zoológico, acredita? Parecíamos dois adolescentes tomando sorvete e tirando fotos junto às jaulas...
E em uma terceira:
...Estou grávida! Contei para ele hoje e estamos muito felizes.
A família dele vibrou com a notícia. Gostaria de compartilhar com minha família também... Você sabe... Aquele incêndio horrível! Eu sofri muito, fiquei quase três meses internada...Foram momentos difíceis nos quais você me ajudou bastante...Espero que, com minha mudança para cá e, com a chegada dessa criança, meu coração se acalme um pouco...
Houve um dia em que Anabella não escreveu. Ficou paralisada diante do papel até que começou a chorar. Chorou até que as lágrimas cessaram e ela continuou ali, sentada, soluçando baixinho.
Até que um homem apareceu. Ele disse frases desconexas. Ficou repetindo palavras sem sentido até que Anabella não viu mais nada.
Quando acordou havia uma enfermeira ao seu lado. Anabella tentou falar com ela, mas as palavras morreram na garganta. A enfermeira saiu apressada do quarto e voltou um instante depois, acompanhada de um médico.
-Você está no hospital geral de Monte Alto. Estamos cuidando de você.- disse o médico- Você se lembra do que aconteceu?
Anabella se limitou a balançar a cabeça.
-Consegue dizer o seu nome?
-Anabella- ela respondeu, sem entender porque aquele homem achava que ela não se lembrava como chamava. Mas estava muito cansada. Sentia suas pálpebras pesadas.
Quando acordou novamente, viu uma mulher debruçada sobre sua cama. Imediatamente reconheceu Elisabeth.
Anabella soube então que tudo se resolveria. A amiga cuidaria dela.
Marcos e Elisabeth viajaram por horas para visitar Anabella. Como esta dormira logo após a chegada deles, Marcos chamou a esposa para tomarem um café.
Marcos levou Elisabeth até a lanchonete do hospital. Sentaram- se e ele começou a relatar o que sabia:
-O médico me adiantou algumas coisas. Disse que ela estava agarrada a muitos papéis quando foi retirada de casa. Havia cartas por todos os lados e que ela fez um escândalo para não se separar delas. Eles lhe aplicaram um sedativo para que se acalmasse e ele recolheu algumas e trouxe para cá, para quando ela acordasse. Para que ela não ficasse perturbada pela falta das cartas.
Marcos colocou as cartas em frente à Elisabeth. Algumas tinham o papel já desbotado, outras estavam faltando um pedaço. Elisabeth imaginou a amiga lutando para se livrar dos enfermeiros que lhe seguravam os braços e a tristeza em seus olhos quando viu que uma carta havia se rasgado.
-Ele me disse- continuou Marcos- que leu uma na qual ela contava sobre uma viagem de lua-de-mel, o que ele achou muito esquisito, pois ela nunca saiu de Monte Alto e não há registro de que ela tenha se casado.
Elisabeth pegou a primeira carta:
Rio de Janeiro, 12 de janeiro de 1991
Elisabeth,
Quantas saudades!
Há dias procuro um tempo para lhe enviar esta carta. Temos passeado muito e quase não ficamos no hotel. O lugar é lindo! Andamos a cavalo e fizemos trilha. Até agora os dias foram ensolarados e temos aproveitado muito!
(Tenho que te contar... os dois primeiros dias nem saímos do quarto!)...
Elisabeth largou a carta pela metade e começou a ler outra:
Rio de Janeiro, 15 de janeiro de 1991
Elisabeth,
Tudo bem?
Já estamos a 13 dias em lua-de-mel! Que sonho! Estamos muito felizes... Pena que está acabando... Amanhã vamos para a casa dos pais dele e depois voltaremos para nossa casinha, nossa rotina...
Elisabeth largou mais essa carta e virou para Marcos:
-Você leu isso? Está parecendo com...
-Isso mesmo, está parecendo com a nossa lua-de-mel!
-Que estranho... E eu reconheço a letra dela, estudamos juntas por anos, trocamos diversos bilhetinhos em sala de aula...
-Você acha que ela pode... Ter enlouquecido?!- perguntou Marcos, com medo da reação da esposa.
Elisabeth não respondeu. Não encontrou forças. Certamente era um engano. Certamente havia alguma explicação. Sua amiga de infância, com quem tinha partilhado tudo, com quem estudara e passara os finais de semana na varanda de sua casa, ambas entediadas, pois não havia nada para fazer na pequena cidade de Monte Alto.
-Veja as outras cartas- disse Marcos- há muitas semelhanças. Ela cita inclusive uma gravidez. O médico me disse que ela nunca teve filhos.
Elisabeth ficou sem ar. Seria possível que amiga de infância estivesse vivendo – ou sonhando- com uma vida igual a sua? Por quê? O que teria acontecido com ela nesses anos em que ficaram sem se falar para que Anabella começasse a achar que vivia uma vida que não existia?
Uma enfermeira os chamou até a sala do médico. Entraram na sala humildemente mobiliada e se sentaram nas cadeiras indicadas pelo médico, em frente à mesa.
-Sinto muito pela situação de sua amiga, dona Elisabeth- disse o médico e ela o achou muito mais velho do que quando o vira pela primeira vez, enquanto ele conferia a prancheta pendurada aos pés da cama de Anabella. - Nossa equipe foi à casa de sua amiga Anabella chamada pela pólicia.
-Polícia? O que houve? Conte do começo, por favor.
-Uma vizinha chamou a polícia- respondeu o médico- Elas viviam em apartamentos lado a lado há muitos anos. Essa vizinha estranhou quando não há viu sair de casa por vários dias seguidos.
Diante do olhar vago de Elisabeth o médico continuou:
-Ainda não temos nenhuma conclusão. Imagino que ela sofra de algum distúrbio tratável. Algo relacionado ao trauma da morte acidental da família, anos atrás. Guardei uma carta para mostrar a um colega psiquiatra pois, como disse ao seu marido, ela não teve filhos. A senhora gostaria de dar uma olhada? Como eram amigas, talvez a senhora saiba mais do que nós.
Elisabeth pegou o papel dobrado da mão do médico e o abriu:
Monte Alto, 25 de abril de 1991
Elisabeth,
Hoje é o pior dia de minha vida. Perdi o bebê... Não sei com agüentaria passar por toda essa dor sem o Marcos, que tem sido maravilhoso.
Venha nos visitar. Adoraríamos receber sua visita. Estou precisando do seu abraço.
Beijos
Anabella
-Eu... Eu nunca soube de gravidez nenhuma. E nunca recebi nenhuma carta dela. O pouco que conversamos depois que fui embora de Monte Alto foi por telefone e sempre eu que ligava para ela. Ela não tem família, eu gostaria de ficar aqui com ela. Nós pagaremos todas as despesas –Elisabeth disse, olhando para Marcos, que concordou.
-Nosso hospital é modesto, dona Elisabeth. Farei todo possível para dar a primeira assistência a ela aqui e, assim que alguns exames ficarem prontos, ela deverá seguir para uma clínica especializada.
-Nós aguardaremos os resultados.
***
À noite, no hotel, Elisabeth e Marcos discutiam:
-Não podemos ficar aqui para sempre, Elisabeth!- temos nossos empregos no Rio, eu preciso trabalhar, ainda mais com essa sua idéia de pagar o tratamento da sua amiga.
-Não ficaremos aqui “para sempre”. É só até saírem os exames. Você pode voltar, eu fico e pago tudo sozinha.
-Vai pagar tudo como, posso saber?
-Não importa. Ela não tem ninguém. Eu tenho que ficar. Você não entende? Ela representa minha infância, tudo que vivi nessa cidade, eu tenho que ficar.
Marcos, exausto, adormeceu rapidamente. Elisabeth rolou na cama por muito tempo antes de conseguir pegar no sono. “Marcos tem razão, não podemos arcar com todos os exames e remédios. Anabella deve alguém que possa olhar por ela. Tenho que encontrar essa pessoa, assim poderemos voltar para casa...”
No dia seguinte, a esposa foi ao hospital pela manhã, enquanto o marido iria à agência bancária da cidade fazer um saque, para arcar com as primeiras despesas no hospital.
Elisabeth seguiu sozinha para o hospital. Pediu para falar com o médico, pois ainda não estava no horário de visitas. Sentou-se na recepção e aguardou.
***
Elisabeth não conseguia respirar direito. Acordou e percebeu que tinha as mãos e os pés amarrados. Sua garganta estava seca. Tentou chamar por alguém e não conseguiu. O fiapo de voz que saiu não alertou ninguém no corredor. Estava suando. Tentava se lembrar de como fora parar ali e só se recordava de um homem aplicar-lhe uma injeção e a voz de Marcos ao fundo gritando:
-Foi ela, ela é louca! É tudo culpa dela!...
Agora, acordada, tentava compreender porque Marcos gritara que a culpa era de Anabella. Sua amiga vinha sendo mantida sedada para que não se machucasse e os médicos pudessem avaliar seu problema e prescrever o melhor tratamento... Ela não tinha culpa nenhuma.
Tentou chamar por Marcos novamente e a voz saiu mais fraca ainda
O que estará acontecendo, pensou
Será que eu desmaiei? Será que tiveram que me dar uma notícia ruim sobre Anabella?
Continuou chamando pelo marido com as forças que possuía
Até que a porta se abriu. E não foi Marcos quem entrou. Uma enfermeira entrou, soltou uma de suas mãos, que estavam atadas à cama e checou-lhe a pressão.
Elisabeth começou a falar, queria perguntar por que estava ali, mas ainda estava confusa sob o efeito dos tranqüilizantes.
A enfermeira saiu do quarto, deixando seu braço livre e fez sinal para que outra pessoa entrasse.
Então Elisabeth a viu. Estava com o semblante calmo, mas a face estava pálida e abatida. Anabella entrou.
Elisabeth não saberia dizer que horas do dia eram, pois o quarto era muito claro, apesar de não ter janelas
Anabella se aproximou devagar, pegou a mão livre de Elisabeth e a beijou.
Elisabeth ouviu- a perguntar:
-Como está se sentindo?
Elisabeth achou esquisito que a amiga perguntasse isso, afinal viera de longe para lhe perguntar a mesma coisa.
-Eu e o Marcos viemos do Rio para lhe ver. Não poderemos ficar muito. Vou conseguir alguém para cuidar de você, para que eu possa ir embora tranqüila. Apesar de já ter terminado o horário de visita, consegui entrar um pouquinho para te dar um beijo. Gostaria que te trouxesse alguma coisa amanhã?
Elisabeth não respondeu a essa pergunta nem a meia-dúzia de perguntas seguintes que a amiga fez, antes que a enfermeira entrasse e dissesse que ela teria que ir embora.
Quando Anabella saiu, a enfermeira prendeu novamente o braço de Elisabeth à cama e aplicou-lhe uma nova injeção. A picada não doeu. Elisabeth viu o teto girar e mergulhou na escuridão. Agora, sob o efeito dos remédios, poderia inventar a vida que quisesse viver. Voltaria a escrever suas cartas.