17 de jan. de 2011

Um texto meu

Hóspedes indesejados


Natanael não sabia o que responder. Piscou os olhos, aturdido, quando seu analista repetiu a pergunta:

-Você dormiu bem esta noite?

O que eu deveria dizer? Sim, esta noite apenas um fantasma esteve no meu quarto. Foi bem mais tranqüilo do que na noite anterior, quando tive que agüentar uns 100. Há tempos não dormia tanto.

-Então Natan? Conseguiu descansar?

“Claro. Na semana passada dormi, acordei e tomei banho todos os dias com essas visitas indesejáveis. São todos de um branco-gelo semitransparente. O que os diferencia é o cheiro.
Alguns têm um odor suave, quase perfumado. Alguns parecem ter saído de um cano de esgoto. Sempre que pergunto o porquê dessa diferença, recebo como resposta:
-Você que não merece sentir nosso cheiro real. Cada um de nós apresenta a você o odor que quer que você sinta.

-Você gostaria de um café?- perguntou o analista, enquanto ajeitava seus óculos de aro de tartaruga.

Às vezes faço um café para todos lá em casa.  Há muitos espíritos precisando de um café forte para relaxar, e o aroma lá em casa melhora bastante.
Quando termino de fazer as devidas apresentações aos fantasmas novatos, todos se ajeitam para assistir a novela. Algumas vezes a confusão é tanta que eu não consigo prestar atenção.  Nesses momentos me descontrolo e chego a gritar para que eles saiam, que voltem para “o além” de onde vieram, que não agüento mais tanta alma penada na minha casa.
Mas no momento seguinte me arrependo e peço desculpas.  Afinal, não quero magoar as visitas.

-Açúcar ou adoçante Natan?

Eu não respondo. Fico fitando o teto do consultório. Decidi fazer terapia para tentar entender porque vejo fantasmas. Esse careca de óculos me disse que em pouco tempo eu me entenderia melhor e eles sumiriam de vez.
Mas a cada dia que passa, aparecem mais deles na minha casa, na minha cama, dentro do meu guarda-roupa.
Não reclamo não; Eles me fazem companhia. Quando chego do serviço, tenho com quem conversar. Com eles posso desabafar tudo que minha chefe me faz passar. A mulher é uma megera.   
Ela arranca meu couro durante o dia e eu conto pra quem à noite? Astolfo, Cleverson, Luiz Cézar...Todos me escutam com a maior atenção.  Tudo bem que minha última namorada não agüentou a pressão. Fazer o que? Acho que ela tinha ciúmes, achava que eu não dava muita atenção a ela.
A sessão dura 50 minutos. Geralmente ele fala 10, me pergunta alguma coisa (que costumo não responder) e praticamos meditação.  É um jeito interessante esse que o velhote tem de tirar o meu dinheiro.
Terminada minha sessão de meditação dou uma corrida na padaria para comprar pão e um queijo.  Preciso ter o que beliscar em casa, porque a noite vai ser longa.  Clodoaldo, o único fantasma que esteve em minha casa na noite passada me disse que o restante estava trazendo um convidado cada para comemorarmos 100 dias com 100 fantasmas na minha casa. Se cada um levar um amigo espectro, serão 200. Me recuso a imaginar o que eles vão aprontar na festa de 200 dias...
Melhor comprar mais café.

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